sábado, 30 de maio de 2015

Sobre A Paixão segundo G.H.

Um livro intrigante, mas fascinante; que convida a uma reflexão que se desdobra sobre vários aspectos da vida humana, desde os mais [aparentemente] triviais aos mais complexos.

O título do livro não é em vão quando a personagem aborda o pensamento, o amor e a paixão, a alegria; quem já sentiu este sentimento avassalador decerto reconhece o que sentiu ao ler o que G.H. diz sobre a decadência alegre de se estar em contato com o desconhecido, com aquilo que te leva ao inferno, mas com prazer.

Claro, esta análise tem mais a ver com o meu ponto de vista a partir das minhas experiências de vida, e identificação com o que já vivi e li; e por sinal, recentemente, o que atribuiu uma latência de impressionismo a minha leitura.

A ideia de desapoderar-se da ilusão de ser e de se ter a si próprio é uma vertente reflexiva por onde caminha a consciência da Paixão segundo G.H., desconstruindo tudo o que for considerado humano até encontrar a desorganização e desorientação, trilhando um caminho de indagações, reconsiderações e autoconhecimento.

Considerações acerca de Cristo, dos santos, da fé, de Deus são iniciadas, assim como a ideia de inferno, redenção, santidade e provação. Sobre a curiosidade de saber tudo, e de ter vendido a alma ao Deus, que tudo sabe, o enigma:

"Pois Ele sabia que eu não saberia ver o que visse: a explicação de um enigma é a repetição de um enigma. O que És? e a resposta é: És. O que existes? e a reposta é: o que existes."

Chega um ponto da narração que o pecado parece ser o caminho, mas Deus parece o final, aquele que É, que existe em si, que contém todas as coisas, inclusive a contradição destas que não O contradizem.

A barata a mim representa a tentação, a tentação pelo desconhecido, ou pelo que quer que seja. A massa branca da barata representa o cume da coragem, figurada na tentação atendida; o mergulho, o experimentar para resignificar, consolidar a metamorfose que consiste na perca de tudo para se alcançar o tudo que se é, livremente e sem limite, na vida que acontece independente e incompreensível.

"Enfim, enfim quebrara-se realmente o meu invólucro, e sem limite eu era." (p.178)

O resgate da esperança dantes vista como promessa, e [re]vista como presente, alcançada na confiança no desconhecido, mesmo que não se entenda.

Eu poderia escrever muitas coisas a respeito do que é explorado neste romance de Clarice Lispector, um romance riquíssimo, com o qual particularmente me identifiquei (como sempre acontece com a obra de Lispector), mas discorrer sobre ele seria imprimir uma visão particular demais, o que poderia comprometer o modo como outrem o veem ou poderiam ver.

Fica a dica de leitura, para quem como a autora mesma adverte, tenham a alma já formada:

"A possíveis leitores

Este livro é como um livro qualquer.
Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas
por pessoas de alma já formada.
Aquelas que sabem que a aproximação,
do que quer que seja, se faz gradualmente
e penosamente - atravessando inclusive
o oposto daquilo que se vai aproximar.
Aquelas pessoas que, só elas,
entenderão bem devagar que este livro
nada tira de ninguém.
A mim, por exemplo, o personagem G.H.
foi dando pouco a pouco uma alegria difícil;
mas chama-se alegria."

CL

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